“A VIDA É FEITA DE FASES, E ESTOU ENCERRANDO MAIS UMA DELAS”

ENTREVISTA

* Matéria publicada na edição 537 do JPF, no dia 10 de julho de 2021

Foi com esta frase que o ex-prefeito de Poço Fundo, médico veterinário e produtor rural, Carlos Alberto Fagundes Gouvêa, o “Beto Gouvêa”, abriu a entrevista exclusiva concedida à reportagem do JPF, no último dia 6 (terça-feira), na sala de estar do casarão da Fazenda Bela Vista, situada no bairro que leva o mesmo nome da propriedade. Aparentemente calmo e sereno, o ex-chefe do Executivo conversou durante horas com o editor deste meio de comunicação, Marcus Vinicius Lima (Pepê). No bate-papo, o atual presidente do Sindicato dos Produtores Rurais falou sobre o presente cenário político nas esferas municipal, estadual e federal, contou os planos que traça para o futuro, como tem levado a vida no sossego dos montes gimirinenses em meio à pandemia e revelou que, aos 63 anos, está abandonando a carreira pública partidária para se dedicar mais à família e aos próprios afazeres. Confira, na íntegra, a conversa com o (agora) político aposentado:

JPF: Beto, no decorrer desta semana, você comunicou à reportagem do JPF que não concorre mais a cargos políticos e não se envolverá também no âmbito da administração pública. O que te levou a tomar essa decisão? Como você tem visto o cenário politico atual? Isso influenciou, de alguma forma, a chegar a esta conclusão?

Beto Gouvêa: Basicamente, essa é uma decisão que tomei em função de um pedido feito pelos meus filhos, principalmente pela Maria Olívia, que solicitou que eu me afastasse da politica e passasse a residir aqui na Bela Vista, onde você está agora, para que ajudasse a tocar a propriedade. Ela acha que o que eu tinha para fazer em politica já foi. Agora, vou falar de mim. Eu também me considero uma pessoa politicamente realizada. Já fui vereador de 1993 a 1996, presidente da Câmara de 1993 a 1994, prefeito por duas gestões (2005-2008 e 2009-2012) e perdi uma eleição, em 1996, para o Carlito Ferreira. Então, disputei quatro pleitos em Poço Fundo. Venci três e perdi um. Falo isso sem ressentimento algum, e credito a Deus, todos os dias, as oportunidades que tive. Na Prefeitura, conheci muitas pessoas, convivi com muita gente, mas acho que chega uma hora na vida da gente que é preciso parar. A vida é cheia de fases, e a minha de disputar eleições passou. A minha fase de atuar politicamente no sentido partidário acabou. O que quero agora é começar outra fase. Inclusive, já estou iniciando-a, muito animado por sinal. Trata-se do trabalho para a classe dos produtores no Sindicato Rural. Enquanto me aceitarem lá, como presidente, darei o meu melhor.

JPF: Fale um pouco mais sobre sua trajetória política.

Beto: Depois de ser vereador e presidente da Câmara, concorri à minha primeira eleição para prefeito, em 1996, ao lado do querido “Tonho Dozza”, contra o Carlito Ferreira, e perdemos. Depois disso, fiquei mais nos bastidores e, em 2004, concorri a uma nova disputa pelo Executivo. Na época, éramos Oposição e me candidatei pelo antigo PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), o famoso “jacaré”. Edésio Vasconcellos era o prefeito. Carlito acabou se lançando pelo PPS (Partido Popular Socialista). Ganhei a eleição com 36% dos votos. Depois dos primeiros quatro anos de trabalho, a população de Poço Fundo me conheceu. Aí, na reeleição, em 2008, venci com quase mil votos de diferença para o segundo lugar, já tendo o Edésio forte politicamente, como ele sempre foi, e o Renato de Oliveira entrando pela primeira vez com o PT (Partido dos Trabalhadores). Porém, na minha votação, passei de 36% para 44%. Isso é uma coisa que trago com muito carinho, pois sei que é uma forma que a população teve de demonstrar que aprovou meu mandato naquele momento.

JPF: Hoje, você é presidente do Sindicato Rural, já está no quarto mandato, o segundo consecutivo. Além disso, é produtor de café e atua no mercado leiteiro. Como tem sido essa nova fase?

Beto: Tenho dito para todo mundo que temos um problema muito grande na agricultura atualmente. O Brasil se transformou em uma potência agrícola meio que de repente, e o produtor rural ainda está pensando no que fazer, pois somos aqueles produtores antigos, que só extraiam as coisas da terra, não investiam, não tinham tecnologia, dependiam de favores do governo, não eram favorecidos… O povo da roça era desprezado. Hoje, estamos vivendo outro momento na agricultura, e muito produtor não se deu conta disso ainda. Atualmente, a nossa falta de exportação, o nosso superávit comercial, vem da agricultura. Isso está se tornando cada dia mais evidente, e Poço Fundo produz muito café, tem muitas propriedades, micro e pequenas, que são as que mais geram empregos, riqueza. O café de montanha é importantíssimo na questão da geração de emprego e renda, pois, quando você fala na agricultura empresarial, toda maquinada, é maravilhoso, bonito, ótimo. Mas era a agricultura de um só. Por outro lado, a agricultura de montanha, por ser dividida pela própria dificuldade de se manejar enormes lavouras, acaba sendo uma grande distribuidora de renda, criadora de empregos e geradora de oportunidades para muita gente. Então, vejo isso como uma grande oportunidade, um cavalo arreado que não podemos deixar passar. Temos uma expressiva produção leiteira. Nosso município tem muito gado, está expandindo para outras áreas, como a produção de mandioquinha, de batata, que sempre teve aqui… Na região do bairro Campos do Jardim, por exemplo, tem um pessoal que mexe com morango e já está entrando com outros tipos de frutas. A própria produção do fumo, apesar de ser contestada, ajuda muito na geração de emprego e na renda da cidade. Portanto, temos uma diversidade cultural muito grande no âmbito agrícola de Poço Fundo. Existem diversas hortas no município, temos muita gente que vende produtos orgânicos na rua. Quero me colocar como parceiro de todos que atuam no setor agrícola de Poço Fundo. Quero me colocar ao lado e ajudar. Esta é minha área. Voltei para o meu lugar, assim como meus filhos pediram. A minha função politica partidária já foi exercida por trinta anos. Contribuí da melhor maneira que pude. Volto a repetir: a vida é cheia de fases, e a minha de disputar eleições, de apoiar um candidato, passou. Agora, vamos renovar. Existem outras pessoas, outros ambientes, outro mundo. A minha geração passou.

JPF: Sobre as novas gerações, há uma renovação política muito grande em Poço Fundo. Como você tem avaliado o trabalho que está sendo desenvolvido?

Beto: Tenho visto com bons olhos. Houve uma renovação muito boa na Câmara de Vereadores. Aqui cito, quando ainda tinha lado politico, mas, hoje, não possuo mais, a vereadora Marília de Lima, que, para mim, é uma grata satisfação. Tenho mantido contato direto com ela, tendo um diálogo permanente, até porque me identifico com os seus posicionamentos. Tenho visto também o vereador Márcio de Lima como uma excelente escolha. Apesar de ter sido reeleito, o considero uma renovação muito participativa. O que me deixa um pouco preocupado e até apreensivo na política nacional é essa polarização entre Lula (Luís Inácio da Silva) e (Jair Messias) Bolsonaro. Isso é muito ruim para o Brasil. O país precisa encontrar uma terceira via que saia dessa polarização. Os dois lados estão nos extremos opostos, e tem que haver um meio termo, não que a virtude esteja no meio, a virtude nunca esteve no meio, ela está na verdade, mas tem que haver bom senso. É preciso construir uma candidatura que consiga atender os anseios do povo brasileiro. Não pode ser o radicalismo de Bolsonaro de um lado e o de Lula do outro. Isso tem me preocupado. Aqui em Poço Fundo, por exemplo, tenho visto a atuação do Rosiel de Lima com bons olhos. Já estive uma vez com ele na Prefeitura, e estamos até negociando. Ele está pretendendo alugar o Cine Ouro Negro para a Prefeitura, e temos feito essas tratativas. Percebi que ele quer passar uma borracha nessa política partidária local, o que sempre foi meu sonho, e construir uma coisa nova daqui para frente. Isso é bom para o município. Sou o primeiro a apoiar esse tipo de atitude. É assim que temos que atuar. Não sou de um lado ou tenho que ser desse lado. Essa atuação que não quero exercer mais. Porém, no Sindicato Rural, no que puder ajudar, contribuir, estarei à disposição até quando o pessoal achar que devo continuar. Lá, dependo de eleição também. São os associados que me elegem. Até quando a classe rural achar que eu sirva para representá-los, o farei com o maior prazer.

JPF: Que recado que você deixa para as novas gerações que estão se familiarizando com a politica agora, que estão vendo o atual cenário do país e, daqui dois anos ou mais, podem viver outro totalmente diferente?

Beto: Por tudo que vivi e convivi na política, sei e percebi que o Brasil tem grandes quadros. O que está acontecendo hoje, principalmente com a juventude, e é preciso tomar um pouco de cuidado com isso, é a desconstrução da figura dos políticos que a Imprensa nacional está fazendo. Isso é ruim. Todos os políticos têm defeitos. Devemos consertar a política através da política. Existem grandes quadros, grandes pessoas. Hoje, estamos vendo as novas candidaturas possíveis para o ano que vem. Estão aparecendo novidades, como o Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul, que acho muito jovem e “verde” para se tornar presidente da República. Mas também tem o próprio Tasso Jereissati, que é um politico de muitos anos, foi governador do Ceará três vezes, senador pelo estado em três ocasiões também, nunca teve uma denúncia em seu desfavor… Então, temos quadros, pessoas, que podem transformar o Brasil sim. Penso que esse radicalismo, essa confusão, não pode ser levado a sério pela juventude. Não podemos radicalizar nem de um lado e nem de outro. Por exemplo, tenho acompanhado, na internet, essas questões de quando alguém emite um parecer. Há muita radicalização. Basta uma publicação para que um batalhão de gente idealize outra coisa e inicie aquela guerra virtual. A opinião de cada um tem que ser respeitada. Temos que aprender a viver na pluralidade. Gosto muito de ler, e sempre me aprofundo em obras de movimentos esquerdistas ou de direita. Gosto de ver artigos de escritores de ambos os lados, pois acho que as ideias devem sempre existir. A verdade só Deus sabe. Como ensina o professor Eros Roberto Grau: “temos que separar a jus, que é a Justiça, que só Deus é capaz de fazer, da lex, que é a Lei, feita por nós, homens errantes”. E nós erramos. A Lei não é perfeita, só quem faz justiça é Deus. Então, a minha teoria, muito embora me convença, não é a única, como a de outro também não. A união de ideias é que faz o mundo evoluir, crescer. É difícil aceitar esse pensamento, mas isso é democracia. Isso é a arte de convergir. Isso é o que temos que aprender, mas, infelizmente, desaprendemos. Estou vendo a juventude entrando muito nessa polarização. E uma coisa que digo é: a polarização não é boa. Ela acaba trazendo consequências nefastas para todos.

Atualmente, Beto Gouvêa reside na Fazenda Bela Vista, situada no bairro rural de mesmo nome, onde administra os negócios da família