LIÇÕES DE UM ARTESÃO SEM MÃOS E PÉS

GERAL

Nelson da Cunha (53 anos), o “Nelsinho Paneleiro”, é uma figurinha carimbada de Poço Fundo, e ficou ainda mais conhecido depois que um amigo postou, na rede social Facebook, um vídeo mostrando como ele consegue trabalhar com tranquilidade apesar da falta de suas mãos e pés.
O JPF foi até a sua oficina para ouvi-lo e, assim, fazer com que o público saiba um pouco mais sobre esta história. Acompanhe a entrevista e descubra como tudo começou no arrepiante relato sobre a doença que quase o matou e como lida com a deficiência no dia-a-dia.

JPF: Nelson, você não tem mãos e nem pés, mas, como muitos deficientes por aí afora, conseguiu se adaptar muito bem ao cotidiano. Você já nasceu assim?

Nelson: Realmente consegui me adaptar à vida, mas não nasci assim. Nasci com mãos e pés, só que os perdi ainda muito novo e quase morri quando isso aconteceu.

JPF: E como se deu essa perda?

Nelson: Tinha, mais ou menos, 1 ano e 7 meses. Já gostava muito de brincar com martelo, segundo minha família. De repente, sem mais nem menos, um dos dedinhos da mão começou a ficar roxo. A princípio, meus pais não acharam que seria algo sério. Só que isso foi piorando, passou de um dedo para o outro e para o outro… Então resolveram me trazer a Poço Fundo (eles moravam no Distrito do Paiolinho) para ver o que estava acontecendo. Naquela época, os recursos da medicina por aqui não eram dos melhores. O problema só aumentava. Primeiro, a mão direita foi tomada. Depois, passou para a esquerda. Por fim, a coisa era tão feia que o médico chegou a dizer à minha família que não tinha chance de sobrevivência. Me levaram de volta para casa e eu até fedia, uma verdadeira carniça. Então, meu irmão, que morava em São Paulo, chegou, viu aquilo e teve uma atitude extrema ao perceber aquela carne podre pendurada. Pegou uma navalha, com gilete, e cortou as minhas mãozinhas bem na junção com o braço. O que ele tirou foi enterrado em algum lugar lá do Paiolinho. A doença, que até hoje não se sabe qual é, ainda estava só nas mãos quando aconteceu isso. Porém, dois dias depois, o problema começou a surgir num dos dedos do pé também. Novamente, me trouxeram ao médico, e a resposta era de que nada poderia ser feito. Eu perdia sangue constantemente. Minha mãe jogava fora a água que me banhava com pedaços de dedos. Literalmente, os pés se dissolveram. De novo, meu irmão fez cortes e enterrou debaixo do porão de nossa casa. Já tinha uns 6 anos quando perdi os pés. Posso dizer que estive morto. Tive paradas cardíacas, perdia muito sangue e sofri com isso por um longo tempo. Minha mãe fez promessa à Nossa Senhora, me levou na Sala dos Milagres. Então, aos poucos, os cortes foram cicatrizando, eu melhorando e me curei. Voltei a falar aos 11 anos de idade. De lá pra cá, fui me adaptando e tratando de levar a vida como se deve, porque, para mim, o que aconteceu foi um milagre. Confirmou-se o que um compadre da minha mãe, já falecido, disse nos momentos mais difíceis. Era para ela ter fé porque o meu caso seria um grande exemplo de vida.

JPF: Com todo este sufoco, esta doença terrível, como foi a ida para Aparecida?

Nelson: “Ralamos”. Fomos de caminhão, tipo pau de arara. Minha mãe amarrou um pano branco nos meus ferimentos e fez a promessa de que, quando eu sarasse, tiraria e o levaria para a Sala dos Milagres. E foi o que aconteceu. O médico que me atendia disse que não conseguia explicar o que tinha acontecido e que só poderia ter sido mesmo um milagre. Até hoje não sabemos se a doença era uma trombose ou outra, mas o importante é que estou aqui.

JPF: Hoje, você trabalha, faz um monte de coisas, mas sua renda vem só disso? Por ter essa deficiência você não recebe algum benefício, como uma aposentadoria?

Nelson: Não, nunca me aposentei. Não sei se por não saberem o que acontecia ou por acharem que ia morrer, sempre fui dependente do meu pai. Depois da morte dele, oficialmente sou, como se diz, “encostado” no benefício da minha mãe. Talvez até aposente se ela faltar, mas faço meus trabalhos e tenho uma renda extra que nos ajuda e me permite ter algo mais.

JPF: E quando você percebeu que tinha habilidade para mexer com trabalhos artesanais, como consertar panelas, fazer caçarolas e churrasqueiras?

Nelson: Há muitos anos, com maior envolvimento nos últimos 12. E faço qualquer coisa. “Trolinhos” para crianças, quadros, placas de carros, bicicleta. Sou pintor, letrista… Não há nada que eu não faça. Isso porque, assim que sarei, tive que aprender a me virar. Por exemplo, para poder comer, aprendi a segurar uma colher. Daí, tudo foi se juntando e, há 12 ou 13 anos, passei a mexer com panelas. Andava para todos os lados, e olhando os outros aprendia fácil. Observando paneleiros da Festa de São Benedito, aprendi meu principal ofício. Faço também churrasqueira com panela de pressão velha, algo que foi ideia de um amigo meu que trabalha na Prefeitura. Ele deu as dicas e inventei o resto.

JPF: Nada então é difícil para você?

Nelson: Nada. Não me sinto “deficiente” da maneira negativa como se coloca muitas vezes. Me sinto uma pessoa normal. Só não posso andar, mas uso um skate para me locomover dentro de casa, apenas para não sujar muito minhas roupas, que, por acaso, também lavo. No mais, faço de tudo. Cadeira de rodas nem posso ver.

JPF: Aqui na sua casa mora você e quem mais?

Nelson: Eu e minha mãezinha, que, hoje, tem 93 anos.

JPF: E os amigos, Nelson, são muitos?

Nelson: Sim, graças a Deus. Além disso, tenho vários afilhados, pessoas que quero bem e que também se preocupam comigo. Dou e ouço conselhos. Sempre cercado de gente. Claro que tem os que não gostam muito de mim, mas isso não me preocupa.

JPF: O que você diz às pessoas que vivem reclamando da vida, de doenças, de falta de dinheiro ou coisa que o valha?

Nelson: Para responder a isso, vou falar de uma situação que aconteceu aqui em casa. Um amigo meu estava triste e disse que para esquecer os problemas ia “fumar um baseado”. Olhei bem pra ele e disse o seguinte: ‘Olhe para mim e diga o que sentiria se quisesse comprar um tênis e, de repente, lembrasse que não tem pés. Que gostaria de usar um anel e não tem dedos. Se me casasse, onde colocaria uma aliança? Quantas coisas não posso ter ou usar pela falta de meus pés e minhas mãos? No entanto, ninguém me vê reclamando da vida. Pelo contrário, gosto de vivê-la sem drogas, sem vícios, sem nada que me prejudique’. O jovem chorou e deixou de lado a ideia de fumar maconha. Eu, de minha parte, sou feliz.

JPF: E qual a sua mensagem de fé para todos que vão ver essa história na internet e no Jornal de Poço Fundo?

Nelson: Mesmo com tudo difícil hoje em dia, meu recado é que sejam humildes. Sou católico e sempre digo às pessoas que se a coisa está ruim procure Deus, mas não importa qual igreja. O que vale é procurar Deus.